Em um ano turbulento tanto na indústria quanto no cenário político, os videogames continuaram sendo um refúgio — e uma ferramenta de expressão poderosa. Para o editor sênior Bryant Francis, 2024 foi um ano de transformações. Jogou menos em seu PS5, adotou o Steam Deck, mergulhou em RPGs de mesa, casou e, em meio a tudo isso, encontrou espaço para jogos que falam sobre caos, resistência, escapismo e humor.
O resultado é uma seleção rica, variada e profundamente pessoal. Nada de gigantes do AAA monopolizando espaço — a lista celebra estúdios menores, histórias íntimas e jogos que desafiam convenções. A seguir, os 10 títulos que mais tocaram Francis em 2024.
Little Kitty, Big City – Double Dagger Studio
Sim, é um jogo sobre ser um gatinho numa cidade grande. E sim, é absolutamente encantador. Mas Little Kitty, Big City vai além do “fofo” e entrega um mundo aberto em miniatura onde cada esquina reserva descobertas divertidas. O jogo bebe da mesma fonte de A Short Hike, com uma proposta de exploração leve, cheia de interações que valorizam o instinto felino: derrubar vasos, se espreguiçar e causar travessuras.
Combinando caos com charme, o jogo celebra a natureza contraditória dos gatos: adoráveis e ao mesmo tempo… agentes do caos. Sem armas, sem violência — só pata, unha e miado.
Helldivers 2 – Arrowhead Game Studios / Sony
Bryant achava que não cairia na armadilha de um shooter cooperativo estilo Starship Troopers. Estava enganado. Bastaram dois dias para ele gritar “PELA DEMOCRACIA” enquanto lançava ataques orbitais e queimava inimigos com lança-chamas — tudo isso em meio a explosões e, claro, acidentes causados por aliados distraídos.
Helldivers 2 valoriza a cooperação bagunçada, o improviso, o erro. Mas também impressiona com seu sistema de campanha galáctica dinâmica e o esforço do estúdio em ouvir os jogadores — algo raro em tempos de burnout nos jogos como serviço.
Metaphor ReFantazio – Atlus / Sega
Lançado logo após as eleições presidenciais nos EUA, Metaphor ReFantazio chegou como uma fantasia otimista em um momento sombrio. O novo JRPG da Atlus fala sobre poder, sonhos e o peso de acreditar em utopias — mesmo quando tudo parece perdido.
Com sistemas de jogo integrados à narrativa (como trocas de classe e teletransporte), o mundo se torna mais crível e o elenco, memorável. Em vez de pintar o “fantástico” como solução mágica, o jogo o questiona — e desafia o jogador a decidir se ainda vale sonhar.
Caravan Sandwitch – Studio Plane Toast / Dear Villagers
Outro exemplo de mundo aberto em miniatura que encantou Bryant. Caravan Sandwitch é uma jornada de retorno, ambientada em um deserto sci-fi cheio de mistérios. A estética e os sistemas simples — ganchos, escaneamento, direção — são amarrados com delicadeza, criando uma experiência nostálgica e reflexiva.
É o tipo de jogo que prova que nem todo mundo aberto precisa ter 100 horas e infinitas missões. Às vezes, bastam bons momentos.
Dungeons of Hinterberg – Microbird Studio / Curve Games
Mesmo usando sistemas parecidos com Metaphor — como o calendário social à la Persona — Dungeons of Hinterberg brilha por seu foco em combate rápido e exploração de masmorras. A história? Uma vila austríaca invadida por aventureiros em busca de monstros.
É uma crítica divertida ao turismo massivo, ao mesmo tempo em que fala sobre esgotamento, pressão social e identidade. Um RPG que usa clichês para falar de temas muito atuais.
Echo Point Nova – Greylock Studio
Nada de metáforas ou reflexões: aqui o objetivo é correr, pular e atirar. Echo Point Nova é um FPS frenético onde o personagem tem gancho, hoverboard e uma dúzia de armas. A movimentação é rápida e precisa, lembrando o espírito dos antigos jogos de tiro com uma roupagem moderna.
É o caos perfeito — e um exemplo de como estúdios independentes ainda conseguem reinventar gêneros saturados.
Indika – Odd Meter / 11 bit Studios
Talvez o jogo mais triste — e mais marcante — da lista. Indika é uma fábula sombria, parte sátira religiosa, parte literatura russa, parte confissão existencial. Acompanhamos uma jovem freira em busca de redenção em um mundo hostil, com o diabo como seu conselheiro constante.
É engraçado, perturbador e poeticamente doloroso. Mais do que um jogo, é uma experiência narrativa ousada, que testa os limites do que se espera de um videogame.
Pacific Drive – Ironwood Studios / Kepler Interactive
Bryant nunca gostou de carros. Até jogar Pacific Drive. O jogo transforma a relação com seu veículo em algo emocional, quase ritualístico. Você cuida, repara e personaliza sua station wagon, enquanto atravessa uma zona paranormal cheia de perigos aleatórios.
Entre corridas e sustos, há uma história de amor pelo deslocamento, pelo mistério e pela mecânica. É um survival com coração — e rodas.
Tactical Breach Wizards – Suspicious Developments
Feiticeiros armados com pistolas e feitiços em batalhas táticas por turnos. Precisa de mais? Tactical Breach Wizards é um quebra-cabeça disfarçado de combate, onde cada mapa é uma dança entre estratégia e física de janelas quebradas.
O humor e o ritmo do texto — que aparece em estilo máquina de escrever — complementam o gameplay, criando uma das experiências mais inteligentes e divertidas do ano. É design de combate elevado à arte da piada visual.
Against the Storm – Eremite Games / Hooded Horse
Lançado oficialmente no final de 2023, mas incluído na lista de 2024, Against the Storm mistura construção de cidades com roguelike. Aqui, cada assentamento precisa resistir a tempestades constantes — e cada decisão tem peso.
O que fascina é como o jogo equilibra criatividade com adversidade. Você quer construir algo bonito? Ótimo. Mas o jogo vai testar seus limites com fome, inundações e desespero. A lição? A tempestade não se importa com seus planos — e sobreviver já é um ato de criação.