Como Assassin’s Creed Shadows fortaleceu o processo da Ubisoft de trazer a história à vida

Jonathan Dumont, da Ubisoft Quebec, explica como a pesquisa profunda sobre o Japão feudal tornou Assassin’s Creed Shadows um jogo ainda mais autêntico e envolvente.

A série Assassin’s Creed sempre foi elogiada por sua jogabilidade de ação furtiva e protagonistas marcantes. Mas, para muitos fãs, a verdadeira conquista da franquia está na forma como recria ambientes históricos vastos e ricos para exploração em mundo aberto. Quase 20 anos após sua estreia, a Ubisoft finalmente leva a saga para o Japão feudal com Assassin’s Creed Shadows — um cenário desejado há muito tempo pelos jogadores, e que agora ganha ainda mais destaque graças ao sucesso da série Shōgun da FX.

Embora o Japão histórico já tenha sido abordado por títulos como Ghost of Tsushima e Sekiro: Shadows Die Twice, ver essa ambientação pela lente de Assassin’s Creed é especialmente interessante. A franquia mistura intrigas políticas históricas com ficção científica e ação, o que permite revelar camadas menos exploradas da cultura e da política da época — tudo isso mantendo o DNA da série: furtividade, liberdade de movimento e exploração profunda.

Mesmo parecendo uma evolução natural — afinal, ninjas e samurais se conectam perfeitamente ao universo dos Assassinos —, os desenvolvedores da Ubisoft Quebec deixaram claro que, assim como em capítulos anteriores, adaptar o Japão exigiu um processo de aprendizado e a valorização de diferentes pontos de vista sobre o período retratado.

Por que Assassin’s Creed finalmente foi para o Japão?

Depois de experimentar múltiplos protagonistas em Syndicate, Odyssey e Valhalla, Assassin’s Creed Shadows apresenta uma abordagem nova com dois personagens jogáveis — com estilos e visões de mundo bem distintos.

A narrativa gira em torno de Yasuke, o lendário samurai africano interpretado por Tongayi Chirisa, e Naoe, uma ninja interpretada por Masumi Tsunoda, que busca honrar a memória da família e lutar por vingança. Tudo isso se passa no turbulento período Sengoku, com a presença de figuras históricas como Oda Nobunaga, Tokugawa Ieyasu e a chegada de influências ocidentais que transformaram drasticamente o país.

Segundo Jonathan Dumont, diretor criativo, os motivos pelos quais o Japão não foi explorado antes incluem o momento certo, a disponibilidade das equipes e as limitações técnicas para retratar a arquitetura e a natureza mutável do Japão feudal. Com Shadows, a equipe enxergou a chance de capturar não só o espírito dessa era, mas também as mudanças culturais profundas provocadas pelo contato com o Ocidente — sempre sob o olhar da série, que mistura história real e fantasia.

“Esse foi um momento decisivo na história do Japão. O país virou um caldeirão cultural e tudo mudou muito rápido durante os 30 anos de unificação”, comentou Dumont. “As cidades passaram a ser construídas em torno de castelos, os samurais deixaram de proteger áreas rurais e se tornaram figuras urbanas. O comércio cresceu com a demanda da guerra e os mercadores começaram a subir na hierarquia social. Tudo isso tornou o período perfeito para explorar em Assassin’s Creed.”

A importância de Yasuke — e o preconceito por trás das críticas

Yasuke é o primeiro protagonista da série baseado em uma figura histórica real. No prólogo do jogo, ele aparece como um homem escravizado levado ao Japão por jesuítas. Ao caminhar até o castelo de Oda Nobunaga, é visto com curiosidade e estranhamento por cidadãos locais. Com o tempo, Yasuke ganha a confiança do líder e passa a ser treinado como samurai — iniciando uma jornada de honra e transformação ao lado de Naoe.

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Infelizmente, sua presença no jogo foi alvo de ataques preconceituosos em redes sociais e fóruns, apesar de Yasuke já ter sido retratado em outros títulos como Nioh e Samurai Warriors. As críticas ignoram o valor histórico de sua história e o fato de que ele se encaixa perfeitamente no espírito da série, que sempre buscou destacar personagens em contextos históricos fora do convencional.

Para os desenvolvedores, Yasuke representa um elo entre o público global e a cultura japonesa — um estrangeiro aprendendo e se adaptando à nova realidade, algo com o qual muitos jogadores podem se identificar.

Uma equipe que também precisou virar “aluna” da história

Um dos pontos que Dumont destacou foi o preparo do ator Tongayi Chirisa, que trouxe a postura ideal para viver Yasuke: mente aberta e espírito de aprendizado. Segundo o diretor, essa mesma mentalidade foi aplicada à equipe de desenvolvimento:

“Criar jogos como esse é como voltar para a escola. Você precisa estudar, comparar o que sabe com o que existe na cultura popular e ser humilde. Retratar outra cultura exige sensibilidade, e por isso buscamos especialistas, viajamos ao Japão e estudamos muito para fazer escolhas melhores e mais conscientes.”

Além de Yasuke, os jogadores também controlam Naoe, que representa a essência clássica da franquia: furtividade, agilidade e foco espiritual. Missões paralelas incluem rituais de meditação, que mostram a evolução dela como ninja, e um modo de construção de vila, no estilo Animal Crossing, que permite formar alianças e criar uma comunidade — elemento essencial para reforçar o tema de união.

Um novo olhar sobre o Japão — e sobre o próprio jogo

Para Dumont, trabalhar nesse projeto mudou a forma como a equipe enxerga a relação entre arquitetura, natureza e espiritualidade no Japão:

“No começo, a gente não entendia totalmente essa conexão com a natureza. Mas depois de estudar e visitar templos e florestas, percebemos o quanto tudo está em harmonia. Isso nos fez mudar o foco e deu mais profundidade à experiência.”

Ao contrário de Valhalla, que apostou em um mundo vasto, Shadows aposta em um mapa mais compacto e detalhado, dando foco à ambientação e à construção de comunidades. O tema central do jogo gira em torno de união, transformação e empatia — algo que ressoa não só na história dos personagens, mas também na proposta de design.

Apesar de manter os elementos tradicionais da série — combate intenso, assassinatos e parkour —, Assassin’s Creed Shadows vai além: com base em uma pesquisa histórica profunda, oferece uma experiência sensível, rica em detalhes e visualmente impressionante. Uma nova fase para a franquia, e uma poderosa homenagem ao Japão feudal.