Assassin’s Creed Shadows não é apenas mais um capítulo da longa franquia da Ubisoft. Ele marca uma virada tecnológica, com implicações diretas na forma como mundos abertos são criados e percebidos. Ambientado no Japão feudal, o jogo estreia um novo sistema gráfico batizado de Micropolígonos — uma ferramenta que permite manter o nível de detalhe dos objetos tanto de perto quanto à distância, sem depender da troca entre diferentes versões de um mesmo ativo.
Para quem já está acostumado com os saltos visuais entre gerações de consoles, talvez não note de imediato essa evolução. Mas ela está lá — mais sutil, mais psicológica e muito mais eficiente.
O desafio dos mundos abertos e a “máquina de Rube Goldberg”
Todo videogame é, no fundo, uma complexa máquina de engrenagens escondidas. Nos jogos de mundo aberto, como Assassin’s Creed Shadows, essa complexidade se multiplica. O objetivo? Esconder essa estrutura e entregar ao jogador a sensação de estar explorando um ambiente fluido, detalhado e vivo. Só que manter essa ilusão exige escolhas duras, especialmente em termos de memória gráfica e processamento.
Tradicionalmente, os objetos em cena — como espadas, cadeiras ou pinturas — são renderizados com diferentes níveis de detalhe, conhecidos como LODs (Level of Detail). De perto, você vê a versão rica em polígonos. De longe, entra em cena uma versão mais simples. Isso economiza recursos, mas tem um custo: o famoso “pop-in”, quando um objeto muda de aparência bruscamente à medida que você se aproxima.
A resposta da Ubisoft: sistema de Micropolígonos
Para resolver essa limitação, a equipe técnica da Ubisoft Montreal implementou no motor gráfico Anvil o sistema de geometria virtual, apelidado de Micropolígonos. Segundo o diretor técnico Pierre Fortin, esse método abandona a troca de versões de um objeto por um modelo dinâmico, que se ajusta em tempo real à distância do jogador.
Funciona assim: em vez de alternar entre objetos simples e complexos, o jogo altera a quantidade de polígonos visíveis em tempo real, graças a malhas dinâmicas e o poder dos SSDs modernos. Isso garante uma transição suave e detalhada — sem perda de performance e sem que o jogador perceba rupturas visuais.
Detalhes que fazem a diferença: da paisagem ao pincel
Esse avanço é mais perceptível em objetos que exigem acabamento refinado. Imagine renderizar uma pintura histórica como As Estações do Ano de Sōami, com todos os traços e nuances de lápis. Em sistemas anteriores, muito disso era perdido para respeitar o limite de memória. Agora, com os Micropolígonos, é possível exibir texturas complexas, rachaduras, sujeira, reflexos e imperfeições — tudo com naturalidade, dependendo da distância e da iluminação do ambiente.
Fortin explicou: “Antes, precisávamos cortar detalhes para manter o orçamento técnico. Agora, conseguimos ir além.” O resultado é um mundo que responde ao olhar do jogador com profundidade visual rara.
Um impacto que vai além dos consoles
Essa tecnologia não é exclusiva do PlayStation 5 e do Xbox Series X. Apesar de ter sido projetada para esses consoles de nova geração, o sistema também beneficia PCs com diferentes configurações. A Ubisoft explicou que o motor gráfico agora verifica a capacidade do SSD da máquina e ajusta o nível de detalhe dinamicamente, oferecendo uma experiência adaptável sem sacrificar qualidade.
No caso do Xbox Series S, por exemplo, o jogo é renderizado a no máximo 1080p, enquanto no Series X pode atingir 4K UHD. A CPU e o SSD do Series S têm restrições, mas graças à otimização baseada no sistema de Micropolígonos, Assassin’s Creed Shadows consegue rodar de forma eficiente mesmo em hardwares mais modestos.
A transição invisível entre gerações
Se você comparar diretamente Assassin’s Creed Valhalla com Shadows, talvez não veja de cara uma grande mudança gráfica. Afinal, o salto da geração PS4/One para PS5/Series X|S é menos gritante que o anterior, da geração PS3 para PS4.
A diferença agora não está só na quantidade de polígonos ou na resolução das texturas, mas no modo como o jogo apresenta esses elementos ao jogador. Trata-se de percepção. A sensação de se aproximar de um objeto e ver ele se “revelar” com mais detalhes do que parecia ter de longe é um efeito sutil — mas poderoso. É como olhar uma escultura de mármore: de longe, é sólida; de perto, revela as marcas do cinzel.
Do hardware à psicologia: o novo “realismo” gráfico
Estamos entrando em uma era em que o poder gráfico não depende apenas de mais capacidade de processamento, mas de inteligência artística e psicológica. Não basta mais “mostrar tudo” o tempo inteiro. É preciso saber o que mostrar, quando e como. Isso aproxima os videogames de outras artes visuais, como pintura e cinema, onde a perspectiva, o foco e o enquadramento ditam a experiência.
Com o sistema de Micropolígonos, a Ubisoft não está apenas melhorando gráficos — está repensando a forma como os jogadores veem e interpretam um mundo virtual. É menos sobre renderização, mais sobre narrativa visual.
Um Japão feudal mais vivo do que nunca
Ambientar Assassin’s Creed Shadows no Japão feudal foi uma escolha estratégica. A riqueza estética desse período histórico — com templos, armaduras, casas de madeira, pergaminhos e paisagens naturais — exige atenção extrema aos detalhes. O novo sistema permite que esses elementos brilhem sem comprometer o desempenho.
A personagem Naoe, por exemplo, aparece em cenas onde o cenário — torres, vales, aldeias — se estende ao fundo sem perder profundidade. Tudo isso é possível porque a engine ajusta os níveis de detalhes conforme o olhar do jogador muda.