Animação de palavras: o segredo para narrativas mais envolventes nos jogos indie

Durante a Game Developers Conference de 2025, Tom Francis — criador de Tactical Breach Wizards e fundador do estúdio Suspicious Developments — levantou uma bandeira importante: desenvolvedores independentes deveriam animar o texto de seus jogos palavra por palavra, e não letra por letra. Pode parecer um detalhe técnico, mas essa escolha tem um impacto direto na forma como os jogadores interagem com a narrativa e se conectam com a história. Segundo Francis, essa simples mudança pode transformar uma experiência genérica em algo ritmado, divertido e até mais próximo da fala humana.


Por que animar texto por palavra faz tanta diferença?

Na palestra de Francis, o argumento foi claro: animar letras isoladamente cria uma transição visual “suave demais”, contínua, sem ritmo. E isso, segundo ele, é um problema. Ao mostrar uma comparação entre os dois estilos — letra por letra versus palavra por palavra — ficou evidente que a segunda abordagem possui mais personalidade. O texto parece “dançar” conforme avança, acompanhando a estrutura da fala e oferecendo pausas naturais entre as palavras.

Embora não tenha base científica comprovada, Francis sugeriu que essa técnica funciona porque imita o modo como o cérebro processa a fala. “Não é ciência. É uma suposição”, afirmou. Ainda assim, a prática parece fazer sentido intuitivo — especialmente para jogos que não contam com dublagem e precisam usar texto como principal canal narrativo.


A experiência em Tactical Breach Wizards

No jogo Tactical Breach Wizards, todo o texto é animado por palavras, e cada troca de diálogos é acompanhada por um som seco de máquina de escrever. Isso ajuda a criar um ritmo que remete à cadência da fala humana e oferece uma sensação de interatividade, mesmo em momentos expositivos. Para jogadores que preferem avançar rápido, basta pressionar um botão para ver tudo de uma vez — sem perder a essência do estilo.

Vale lembrar que nos jogos anteriores do estúdio, como Gunpoint e Heat Signature, a animação ainda era feita letra por letra. Quando Francis testou a nova abordagem, o contraste foi tão gritante que ele descreveu como “noite e dia”. E se você já experimentou os dois estilos, provavelmente vai entender o que ele quer dizer.


O que a animação de texto tem a ver com jogabilidade?

Muita coisa. Jogadores, especialmente em jogos indie, costumam ter tolerância limitada para longas cenas expositivas, especialmente no início da experiência. Cutscenes longas, que mais parecem quadrinhos animados, podem gerar frustração. Como aponta o editor Bryant Francis, até fãs de jogos cinematográficos como Spider-Man 2 ou Star Wars Jedi: Survivor valorizam introduções que conseguem captar a atenção com ritmo e estilo, sem despejar informações.

No mundo indie, onde o orçamento é limitado, essa construção precisa ser feita com ferramentas mais simples — como texto interativo e arte estilizada. E aí entra o problema: se esse texto não for bem animado, toda a carga emocional ou humorística se perde, por mais inteligente que seja a escrita.


Um bom texto precisa ser mais do que bem escrito

Essa visão não é nova. Em 2020, Robert Kurvitz — designer e roteirista de Disco Elysium — explicou em entrevista que o sucesso do jogo dependia da clareza do texto. O RPG baseado em ideologias e filosofia do século XX poderia facilmente ter afastado o público, se a equipe não tivesse criado um sistema para tornar os diálogos “tão viciantes quanto o Twitter”, nas palavras de Kurvitz. Eles se inspiraram em aplicativos de mensagens e sistemas de notificação para manter o texto direto, pessoal e viciante.

Esse tipo de refinamento não se aplica apenas ao conteúdo, mas também à forma como ele aparece. É aqui que a animação por palavra entra como ferramenta narrativa.


Exemplo de sucesso: o impacto nostálgico de jogos clássicos

A técnica não é exatamente nova. Jogos para Game Boy e Game Boy Advance como Golden Sun e Fire Emblem já utilizavam animações por palavra — junto com efeitos sonoros únicos — para tornar os diálogos mais memoráveis. Parte da razão pela qual esses títulos permanecem na memória afetiva dos jogadores se deve justamente a essa combinação de ritmo textual e som característico.

Inclusive, o próprio Bryant Francis brinca que, se pudesse, implementaria esse tipo de animação em sites como o que publica suas matérias — mesmo sabendo que quebraria toda a estrutura do código.


Quando animar letra por letra ainda faz sentido?

Nem sempre animar por palavra é a melhor opção. Um exemplo interessante é a série Animal Crossing, que combina animação letra por letra com os sons engraçados de seus personagens — uma escolha estilística que reforça a identidade do jogo. O ponto aqui é: essa decisão foi pensada. Ela não é um padrão genérico. É resultado de uma direção criativa que entende o efeito desejado.

O problema é quando os jogos simplesmente seguem esse modelo por inércia, sem considerar fonte, ritmo, posicionamento na tela ou mesmo questões de acessibilidade. Nesse caso, o que poderia ser divertido se torna uma atividade entediante, visualmente insossa.


O timing certo faz toda a diferença — especialmente na comédia

Francis também destacou que animação por palavra funciona particularmente bem em jogos com elementos cômicos. Isso porque o humor, em qualquer mídia, depende fortemente de timing — o momento exato da entrega de uma fala pode mudar completamente o impacto da piada. E isso vale tanto para sitcoms quanto para RPGs táticos com feiticeiros de armadura.

No entanto, outros gêneros também se beneficiam dessa abordagem. RPGs narrativos, aventuras visuais, simuladores de namoro, jogos de terror psicológico — todos podem melhorar o engajamento narrativo com um sistema de texto mais ritmado e expressivo.

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